“No vasto território do Noroeste de Portugal, um manto verde e exuberante desce das serras, cobre os vales interiores, prolonga-se pelas planícies e estende-se até ao mar. (...) no horizonte mais vasto da paisagem, o verde impõe-se como a marca maior da identidade de toda a região". - Manuel Carvalho
Em minha segunda viagem a Portugal visitei o aprazível Minho, região no noroeste do país, célebre por seus vinhos verdes e sua gastronomia saborosa e opulenta. Comecei a viagem na belíssima cidade do Porto, famosa pelo vinho do Porto, mas também, justiça seja feita, por tintos e brancos deliciosos. É na cidade do Porto que o célebre Rio Douro deságua no Oceano Atlântico, após uma trajetória de 927 km desde sua nascente, a 2.080 metros de altitude, na Serra de Orbión, Espanha.
Na foz do rio, de um lado está o Porto, e do outro lado, Vila Nova de Gaia, com seus célebres barcos Rabelos, sempre ancorados à beira do rio, que antigamente faziam o transporte das barricas de vinho do Porto até as seculares casas distribuidoras estabelecidas às margens do rio. Uma ponte comum liga as duas cidades poucos metros acima do nível do rio, mas a majestosa Ponte Arrábida, uma incrível estrutura metálica, descreve um grande arco por sobre o Rio Douro bem mais acima, unindo as duas cidades em uma auto-estrada que passa lá no alto.
Partindo do Douro, segui viagem e me estabeleci na histórica cidade de Guimarães, de onde ia e vinha em minhas visitas diárias aos vinhedos da região. Um passeio pelo centro histórico de Guimarães proporciona um vislumbre da interessante arquitetura local. Banquinhas de rua vendiam as deliciosas castanhas assadas na hora, sobre uma chapa quente, que eu comia sem parar.
Era fim de outubro, nos vinhedos a colheita já havia se encerrado há algumas semanas e as atenções dos produtores estavam agora em seus tanques repletos de mosto, o trabalho com a safra do ano. Quando o assunto é vinho, Portugal apresenta números superlativos. Somente no Minho, reconhecidamente uma das mais antigas regiões vinícolas do país, são produzidos anualmente 85 milhões de litros de vinho. Aproximadamente 25 mil pequenos produtores espalham-se em uma área superior a sete mil quilômetros quadrados.
O Minho e suas características
O vinho verde é um estilo de vinho típico do Minho, elaborado a partir de variedades de uvas autóctones (locais). Caracterizam-se pela leveza, frescor, uma deliciosa acidez e baixa graduação alcoólica, entre 8% e 12%, enquanto os vinhos ‘normais’ tem, digamos, 11% a 15%. Deve ser servido um pouco mais gelado do que um branco seco. Algumas uvas utilizadas em sua produção raramente são empregadas em vinhos secos, como as variedades brancas Avesso, Trajadura e Azal. Outras, como a Alvarinho e a Loureiro, são muito empregadas regionalmente também nos brancos secos.
Os solos do Minho são, em sua maioria, graníticos. Controvérsia à parte, sobre a tão falada impossibilidade de transmissão de elementos minerais para o vinho, que justificaria o conceito de mineralidade, a crença na região é a de que predominância rochosa dos solos reforça o caráter mineral dos vinhos verdes. A grande maioria é de brancos, mas há também tintos curiosos, produzidos com uvas de nomes curiosos, como Souzão e Vinhão, duas variedades cujas cascas apresentam insólita concentração de cor. Outra tinta interessante é a Espadeiro, um pouco menos potente, utilizada na elaboração dos vinhos verdes rosés.
As mais antigas referências históricas à produção de vinhos na região que hoje conhecemos como dos Vinhos Verdes, são do filósofo romano Séneca e do naturalista Plínio. Foi no noroeste, nas áreas mais povoadas de Portugal desde os tempos da alta idade média, que a população cedo se espalhou por uma terra altamente fragmentada. A partir do século 12 já existem muitas referências ao cultivo de vinhas. A viticultura ainda permaneceria incipiente até o século 13, período onde o vinho notadamente ingressou nos hábitos regionais.
Em toda a Europa, a expansão cultural e demográfica, a intensificação da agricultura e do comércio e a crescente circulação de moeda tornaram o vinho uma importante e estratégica fonte de rendimento para o continente.Em meio às bucólicas paisagens do interior, os vinhedos se sucedem interminavelmente, uma impressionante colcha de retalhos de 21 mil hectares, plantados, principalmente, com as variedades brancas Loureiro, Alvarinho, Trajadura e Avesso, e outras, menos cultivadas, de nomes mais exóticos, destinadas, principalmente, à produção de blends, como Batoca, Azal, Rabigato, Esganoso e Fernão Pires. Dentre as tintas, as mais cultivadas são as variedades Borraçal, Padeiro, Espadeiro e Vinhão, e outras menos cultivadas, como Sousão, Trincadeira, Rabo de Anho e Pical.
Nas pequenas cidades e vilas, a famosa gastronomia portuguesa se apresenta com sua saborosa exuberância. Pastéis, petiscos, embutidos, suculentos e caldosos cozidos de legumes com embutidos, frutos do mar, arroz de pato e incontáveis preparos de bacalhau. E queijos, azeitonas, azeites, frutas secas, pudins, maçãs assadas e doces amarelinhos, repletos de açúcar e gemas, e mais uma infinidade de quitutes deliciosos, servidas com gosto e com fartura. Adoro os portugueses, um povo fraterno, generoso e hospitaleiro, que nutrem por nós grande simpatia.
De Guimarães, depois de rodar alguns dias em meio a vilinhas e vinhedos e experimentar mais de uma centena de vinhos, regressei ao Porto, quando visitei o belíssimo Palácio do Freixo.
Neste último dia, uma derradeira degustação me esperava, em uma tarde escura e chuvosa, que proporcionou uma visão inesquecível das antigas residências portuguesas à beira rio, se acendendo ao cair da noite.
Na manhã seguinte, ao deixar o país pela segunda vez, ficou a inevitável sensação de que mal comecei a conhecê-lo, que ainda há muito para ver e que, portanto, não posso me demorar.