top of page
Johnny Mazzilli/ Especial

Absinto, seus segredos e sua história


Gaudentia Persoz vive em Couvet, uma pequena comunidade encravada na bucólica região suíça do Val Du Travers (Vale Atravessado). Desde criança ela sabia que sua avó, em tempos passados, destilava e consumia o absinto. Curiosa, apreciadora da bebida e interessada em continuar a tradição familiar, Gaudentia pediu a receita a avó, que categoricamente a negou, afirmando que não desejava ver a neta passar o infortúnio que ela passou. Durante longos 70 anos, a produção de absinto esteve proibida em países como Suíça e França. Apesar de ter sido proibido em um plebiscito popular, acredita-se que esse fato foi resultado de um bem sucedido lobby dos produtores de vinho, que viam no barato absinto uma ameaça crescente a seus lucros. Outros acreditavam que a bebida havia se tornado um grave problema de saúde publica: somente em 1909, a produção de absinto na França atingira impressionantes 220 milhões de litros. Mitos foram inventados, como supostas propriedades alucinógenas, causadas pelo consumo da bebida. Crimes foram atribuídos a ela, como o do poeta Paul Verlaine, que após uma bebedeira de absinto, atirou em seu amante, Arthur Rimbaud. A avó de Gaudentia tinha, no porão, uma pequena destilaria clandestina, e produzia absinto para consumo próprio. Denunciada, recebeu a visita da polícia, teve todo seu equipamento de destilação apreendido e foi penalizada com uma multa pesadíssima, que lhe causou grande e duradoura tristeza. Ela então prometeu que não mais se envolveria com absinto e enterrou o assunto. Mas a neta Gaudentia insistentemente lhe pedia a receita, e ela sempre negava. Ainda antes da liberação da bebida, a avó adoeceu e, no leito de morte, mandou chamar Gaudentia.

Temerosa de que a tradição familiar se perdesse, a avó lhe deu a receita. Alguns anos depois, em 1999, o absinto foi novamente liberado, e Gaudentia sem demora ergueu sua destilaria. Hoje, há 16 pequenas destilarias de absinto em Couvet, mas Gaudentia é a única mulher a comandar uma.

O absinto foi criado em 1792 pelo médico francês D. Pierre Ordináire, que vivia em Couvet, e continha em sua formulação principalmente losna, erva doce, anis e funcho. Foi criado como um medicamento digestivo, e rapidamente seu consumo se disseminou. Acreditava-se que curava todos os males, de disfunções digestivas a dores de cabeça, como fortificante e depurativo. Foi amplamente utilizado pelos soldados da Legião Francesa em campanhas nas colônias africanas, contra os recorrentes problemas de estômago e intestino que os afligiam. O absinto foi especialmente popular na França, sobretudo pelo seu consumo por artistas parisienses ao final do século 19 e começo do século 20. Inicialmente, tinha teor alcoólico altíssimo, de até 90%, e dizia-se que seu consumo causava alucinações, que eram, na verdade, resultado de intoxicação por álcool. Até hoje é chamado de “Fada Verde” (la fée verte), pois dizia-se que muito absinto fazia as pessoas verem uma fada verde.

O absinto tradicional ainda é produzido à base de anis (o sabor e aroma que mais se destacam na bebida), erva-doce e losna, mas há diversas receitas que acrescentam camomila e melissa, dentre outras. As ervas são embebidas em álcool e a mistura é destilada. O processo de destilação faz que os óleos das ervas e o álcool evaporem, separando-se da água e das essências amargas. As ervas da primeira maceração são adicionadas ao alambique, juntamente com o álcool, base da bebida. Tradicionalmente este álcool era de uvas, porém, hoje em dia são usados alcoóis neutros de várias origens. A graduação alcoólica nesta etapa tem de ser alta, entre 60% a 80%, para garantir boa extração das ervas, curtidas neste álcool por 12 a 24 horas. Durante este processo, o álcool pode ser aquecido levemente, porém a maioria dos produtores não usa mais aquecimento. Os óleos de erva-doce, anis e losna se recondensam com o álcool em uma área de resfriamento e o destilador dilui o líquido resultante até o grau que o absinto terá (com base em variações de marcas ou leis regionais). A essa altura, o absinto está transparente, mas alguns produtores acrescentam ao fim ervas a mistura, após a destilação, para obter a clássica coloração verde pálido.

O princípio ativo que leva toda a culpa pela fama de alucinógeno do absinto se chama thujone, um componente da losna. Em doses muito altas, o thujone pode ser tóxico. Trata-se de um inibidor que bloqueia receptores no cérebro, o que pode causar convulsões em caso de ingestão excessiva. Essa substância está presente em muitos alimentos, mas sempre em doses pequeníssimas e inofensivas. No absinto também não há quantidade suficiente de thujone que possa causar mal, pois ao final do processo de destilação, resta muito pouco thujone na bebida. A ciência afirma que um bebedor de absinto morreria de intoxicação pelo álcool muito antes de ser afetado pelo thujone. E não existem provas científicas de que essa substância possa provocar alucinações, mesmo em doses elevadas.

O absinto pode ser servido puro, mas sua forma mais tradicional de consumo é misturado ao açúcar e água gelada. A dose da bebida é posta num copo, e sobre ele, goteja lentamente a água gelada sobre um torrão de açúcar posto em uma colher furada, fazendo com que os sabores da bebida tornem-se mais delicados e atenuando sua graduação alcoólica.

Na Europa do início do século XX, o absinto era considerado uma droga de massas, levando a população ao alcoolismo e, segundo médicos da época, ocasionando distúrbios mentais, epilepsia, suicídio e loucura, fatos que a ciência hoje em dia provou serem falsos. Van Gogh, além de suas conhecidas perturbações mentais, estava alcoolizado por absinto quando cortou sua própria orelha. É extensa a lista de bebedores célebres de absinto, como Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Van Gogh, Oscar Wilde, Henri de Toulouse-Lautrec e Edgar Allan Poe, todo adeptos da fada verde.

Na Suíça, acreditava-se que cerca de 40% da população adulta era dependente da "fada verde". O consumo de absinto na França era tão elevado que a hora de bebê-lo foi apelidada de hora verde, entre 17h e 19h. Em 1908, por plebiscito popular, foi proibido na Suíça, onde 63,5% dos eleitores apoiaram a proibição, sancionada em 1910. Outros países a seguiram e, em 1913, os Estados Unidos e quase toda Europa adotaram a proibição. Apenas na Espanha, Dinamarca, Inglaterra e em Portugal ainda era permitido o consumo, mas só se a bebida fosse produzida com quantidade limitada de thujone.

Hoje, a bebida tem graduação alcoólica de aproximadamente 54º GL, e sabe-se que os efeitos supostamente alucinógenos da bebida nunca foram comprovados, e o absinto é considerado perfeitamente normal para o consumo. Este fato levou muitos países a liberarem sua produção, venda e consumo, como vários países da Europa, Estados Unidos e Brasil, onde a bebida aportou novamente em 1999, tendo sido legalizada neste mesmo ano. No entanto, para ser produzido no Brasil, os produtores tiveram de se adaptar a legislação brasileira, que permite o máximo teor alcoólico de 54º GL. (fOTOS: Johnny Mazzilli)

Como chegar Para os que desejam conhecer a pequena Couvet, berço do Absinto, a Swiss tem voos de São Paulo a Zurich, e de lá, segue-se de trem a Couvet, um trajeto de apenas 2 horas de duração. www.swiss.com

De trem pela Suíça Swiss Travel System www.swisstravelsystem.com

Turismo na Suíça

www.MySwitzerland.com


0 comentário
bottom of page