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A história do ‘Galeto al primo canto’



O galeto, prato representativo da cultura alimentar da Serra Gaúcha, foi inventado na cidade de Caxias do Sul por Lauthércio e Adélia Peccini em meados dos anos 1950. Era servido no restaurante do hotel de sua propriedade e logo caiu no gosto das pessoas. Hoje, encontram-se galeterias em todo o Brasil, com poucas variações do original.

O galeto é a denominação utilizada para uma carne de frango de leite com, aproximadamente, 25 dias de vida pesando no máximo 500 a 700 gramas depois de limpo, assada no espeto diretamente sobre o fogo. Al primo canto, significa ao primeiro canto, ou seja, abatido ainda jovem.


Segundo o livro A invenção da galeteriaO galeto al primo canto e o patrimônio cultural de Caxias do Sul de Rosana Peccini, filha de Lauthércio e Adélia Peccini, o chamado “galeto al primo canto” é o que, em teoria, se chama de alimento-memória, surgiu como um espelho do gosto da sociedade caxiense, uma forma de matar as saudades da Itália e da Colônia e hoje é reconhecido como patrimônio imaterial da cidade de Caxias do Sul. Lauthércio Peccini foi quem fez a ligação da abundância colonial, que se ligava à caça, que foi substituída pelo galeto, reproduzindo na cidade a fartura só existente nas festas familiares coloniais.

O restaurante onde se serve o galeto - a galeteria – tem, portanto, em sua mesa um reflexo da colônia, pois tem que ser farta, como símbolo da boa colheita onde cada prato assume a representação do que foi cultivado.


O que se entende por galeto é uma combinação de comidas, composta pelos seguintes pratos: sopa de agnolini, pão d´água em fatias, galeto assado no espeto, espaguete ao molho de miúdos, polenta frita, salada de “radicci” com toucinho frito, a qual foi agregada posteriormente a maionese de batatas, uvas frescas no verão e/ou frutas em calda nas demais estações do ano. A refeição era acompanhada de vinho em jarras.


A historiadora Loraine Slomp Giron considera do galeto “uma culinária de homens para homens”. O assado de carnes das caças sempre foi monopólio masculino, da mesma forma como até hoje é o churrasco. Na galeteria ainda hoje os homens se encarregam de preparar o galeto, espetar a carne, assar e servir. Às mulheres cabe a tarefa de preparar o tempero, fazer as massas, os molhos, fazer a polenta, fritar, preparar as saladas e as sobremesas. Não havia receitas escritas, tudo era feiro com base no modelo passado de geração em geração de forma oral. As meninas aprendiam a cozinhar em casa com as mães e avós e seguiam repetindo os modos de preparar segundo a cultura e os valores familiares.


O tempero

O tempero original era composto por sal, sálvia, vinho, alho, pimenta vermelha feita em conserva de vinagre de vinho tinto. Todos os ingredientes eram passados num moedor de carne formando uma pasta, menos o sal que era adicionado ao final, diretamente na pasta.

Esta mistura era esfregada nos galetos, um por um por dentro e por fora, no dia anterior ao seu uso. As aves eram espetadas num espeto de metal entremeadas de fatias de toucinho e folhas de sálvia.


O galeto pode também ser preparado em marinada de, no máximo 4 horas, com os mesmos ingredientes. A conserva de pimenta vermelha (dedo de moça) era feita em casa, com vinagre de vinho tinto fabricado pelas próprias famílias e usada especialmente na preparação de carnes. O sabor do galeto tem na sálvia seu tempero por excelência, numa harmonização perfeita.

Pode-se traçar uma ligação entre os hábitos de caça dos senhores nobres italianos, proibida aos contadinos que imigraram para o Brasil fugindo da miséria em busca de uma vida melhor.

Estes imigrantes trouxeram consigo o conceito medieval de que a terra é medida de riqueza. Tornaram-se eles mesmos senhores de terras onde a caça era não só permitida, como praticada intensivamente, sendo símbolo de status.

As famosas passarinhadas, o menarosto, estão na origem do galeto. Numa versão citadina, o galeto segue a mesma lógica das preparações feitas com as carnes de caça e reafirma a abundância como forma de comer bem, de sucesso e de superação das dificuldades e adversidades.


O galeto é a reinterpretação da comida da colônia, a repetição do ritual de celebração, de compartilhamento, produto da técnica culinária apurada, revelando uma expertise no conferir sabor pela harmonização de temperos, modos de cocção e que, no final, são parte do gosto desta região, enraizado na cultura.

Texto escrito pela sommelier de azeites e estudiosa em gastronomia, professora Maria Beatril Dal Pont

CREDITO DA FOTO: Galeteria Alvorada/Divulgação

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