Bruna Vidor e Souza
@olivalsantoantonio
E aí, já está craque em degustação de azeite? Na publicação anterior, vimos os descritores dos atributos positivos de um azeite extravirgem, mas, como você que me acompanha já sabe, se ele apresentar qualquer defeito, já não é mais extravirgem.
Caso a presença de defeitos seja sutil e ainda se perceba atributos positivos (com acidez de até 2%), o azeite será considerado virgem. Quando os defeitos passam a ser tão salientes que não se percebe nenhum atributo positivo, o azeite já é lampante e deve ser refinado para remover as impurezas e odores, e então encaminhado para outros usos.
Os defeitos que podemos encontrar em azeites podem ter origem em qualquer etapa da sua produção e existência, desde o pomar até a mesa. Veremos agora quais são eles e como identificá-los.
No pomar, pragas e condições climáticas podem causar danos nas azeitonas, resultando em azeites problemáticos. Frutos atacados pela larva da mosca da oliveira produzem azeites com odor de graxa e textura pastosa, um defeito chamado de gafa (verme). Além da larva em si, o furo que a mosca faz no fruto para depositar os ovos permite a entrada de ar, desencadeando a sua oxidação e o seu apodrecimento. Azeitonas que congelaram ainda na oliveira devido a temperaturas muito baixas geram azeites de cor âmbar e sabor doce, com perfil lembrando madeira úmida. Felizmente, os produtores brasileiros não estão expostos a esses dois riscos. Já a estiagem no período de maturação dos frutos é um problema que pode comprometer a safra aqui. Nesse caso, se as azeitonas estiverem secas no momento da colheita, lembrando passas, o azeite terá características de feno e madeira.
Descuidos no armazenamento e no encaminhamento das azeitonas para o processamento também comprometem o produto final. Se elas forem colhidas com terra ou lama e não forem devidamente lavadas, o azeite lembrará em sabor e aroma a própria terra. Agora, se forem acondicionadas amontoadas, sem arejamento, ou em quaisquer condições que desencadeiem processo de fermentação anaeróbia, teremos um festival de características indesejáveis (cujas intensidades podem variar de acordo com o estágio de fermentação): salmoura, queijo azul, leite talhado, palha seca, acetona, esmalte, levedura/fermento, chulé, bacon, entre outros. O nome desse defeito é tulha/borra, e ele também pode ser causado pela permanência de sedimentos nos reservatórios onde o azeite é armazenado, sendo um risco maior para azeites não filtrados. No caso de azeitonas mantidas por vários dias em condições úmidas e, consequentemente, atacadas por bolores e leveduras, o azeite apresentará perfil de mofo, talvez lembrando alguns tipos de cogumelos.
Problemas no equipamento e na higienização durante a extração são outra fonte de defeitos possíveis em um azeite. Podemos identificar traços metálicos se ele ficar em contato prolongado com superfícies metálicas, especialmente se elas estiverem oxidadas. Caso a máquina esteja mal regulada e haja contato com o seu lubrificante, o azeite vai incorporar suas características, que também podem lembrar óleo mineral ou diesel. Uma outra falha grave que pode acontecer durante a obtenção do azeite é aquecimento excessivo ou prolongado (acima dos 28°C que definem o processo de extração a frio, exigido para azeites extravirgens), que vai remeter a fritura. Esse defeito se chama cozido/queimado e também pode ser provocado por transporte ou armazenamento do azeite acima da temperatura adequada.
Um defeito pouco provável de ser encontrado atualmente é o esparto, que ocorre em azeites extraídos em capachos de esparto novos e lembra corda, cânhamo e sisal. Esse processo de extração está caindo em desuso pela dificuldade de higienização e pela propensão a defeitos.
O processo fermentativo anaeróbio de azeitonas ou de restos de pasta de azeitona em equipamento que não foi lavado corretamente provoca o defeito conhecido como avinhado/avinagrado, cuja semelhança vem da formação de ácido acético, característico do vinagre, e de acetato de etila e etanol, também presentes no vinho. Curiosamente, esse defeito, que é um dos mais comumente encontrados, também pode ser causado pela cultura equivocada de lavar o galheteiro com vinagre, que pode deixar resíduos que alteram o azeite. Se você usa galheteiro, o ideal é lavá-lo com água quente e um pouquinho de soda cáustica. O mesmo vale para os bicos dosadores no caso de reutilização (recomenda-se que seu uso seja único para evitar todos os defeitos que eles podem causar).
Se o azeite não for centrifugado logo após a extração, para separar a água de vegetação do óleo, esse líquido, chamado de água-ruça, sofre fermentação e fica com um perfil que lembra mangue, com odor de iodo. O armazenamento prolongado do azeite em latas de flandres gera o único descritor “verde” que é um defeito (os outros “verdes” são atributos positivos, como vimos na publicação anterior): pepino, característico da oxidação desse material.
Finalmente, vamos falar do defeito que provavelmente é o mais presente no nosso dia-a-dia: ele, o ranço, consequência de um processo de oxidação intenso causado pelo envelhecimento e por más condições de armazenamento. Todos nós já provamos algum azeite que lembrasse nozes velhas, gordura rançosa ou até mesmo giz-de-cera. Além dessas características olfativas e de sabor, um azeite velho também fica com uma textura pastosa desagradável. Um hábito imprescindível para retardar o aparecimento do ranço é manter o azeite sempre tampado e abaixo dos 28°C. Lembre-se: o contato com o ar e/ou com o calor desencadeia a oxidação.
Quando surgem notícias de azeites no mercado classificados como impróprios para o consumo, a cultura popular logo associa a fraudes onde há mistura com outros óleos – o que, infelizmente, realmente ocorre. Mas, como você pode ver, dentro da própria cadeia produtiva do azeite, temos uma série de fatores que podem resultar em um produto com defeitos que é, erroneamente, rotulado como extravirgem. E, na grande maioria das vezes, é esse o caso dos azeites que são reprovados.
Agora que você conhece a longa lista de defeitos que um azeite pode ter, convido você a procurar algum que já esteja aberto há algum tempo no seu armário, degustá-lo (como aprendemos aqui) e ver se ele apresenta um ou mais atributos negativos. Em caso afirmativo, nem tudo está perdido. Ele pode ser usado tranquilamente para cozinhar, pois o calor elimina boa parte dessas características (junto a quaisquer outros aromas e sabores). Um outro exercício, se você quiser ir mais a fundo, é comprar uma garrafa nova do mesmo azeite que você tem aberto e comparar os perfis dos dois para ver como o contato com o ar, o tempo e as condições de armazenamento influenciam no seu envelhecimento. Vou adorar saber os resultados da sua prática!
Para não encerrarmos em um tom “defeituoso”, deixo aqui o convite para falarmos sobre harmonização na próxima publicação. Quais pratos você gostaria de aprender a harmonizar com diferentes azeites? Comente aqui ou me envie por e-mail ou DM no Instagram (@olivalsantoantonio). Será um prazer responder!
Fotos/Divulgação
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