Andreia Debon, especial da Itália
Ela tem um sorriso encantador e uma energia contagiante. É dona de uma voz incrível, ama vinhos e música brasileira. Talvez isso possa ter relação com a região em que ela nasceu e vive: a alegre e colorida Sicília, no Sul da Itália. Estamos falando de uma das mulheres mais importantes do vinho italiano, Josè Rallo. Ao lado do irmão Antonio, ela está à frente Cantina Donnafugata, uma das mais renomadas da Sicília e que está dando destaque a esta região mundo a fora com a qualidade e diversidade de seus vinhos.
A Donnafugata foi fundada pelo pai de Josè, Giacomo, e pela mãe, Gabriella, em 1984. A família de Giacomo era produtora de vinhos desde 1851 na cidade de Marsala, o que deu a Giacomo uma boa base para iniciar o negócio ao lado da esposa que atuava como viticultora em uma área e sua família. Hoje a vinícola elabora três milhões de garrafas de vinhos por ano em cinco vinícolas diferentes (quatro territórios distintos). Exporta para 65 países, dentre os quais o Brasil – vinhos importador pela Worldwine.
Josè Rallo começou a trabalhar na Donnafugata em 1990, aos 26 anos, depois de diversas experiências, inclusive em multinacionais e outras vinícolas. Passou por diversos setores e hoje é responsável pela comunicação e marketing da empresa e divulga ao mundo não somente os vinhos da sua vinícola, mas de toda a região. Confira um breve bate-papo que a jornalista Andreia Debon teve com Josè em recente evento sobre vinhos da Sicília.
Bon Vivant: Josè, hoje você é uma das mulheres mais influentes do vinho italiano. Como nasceu a tua paixão pelo vinho?
Josè Rallo: Eu nasci em meio aos vinhedos e vinhos. Eu lembro que quando eu era criança pegava a bicicleta e seguia os pequenos caminhões que levavam a uva para as vinícolas durante a vindima. Ia para o vinhedo colher uvas – lembro que depois de dois ou três cachos já estávamos cansados (risos). Depois, pouco a pouco, fui cultivando o meu amor pelo vinho através da realização de diversos cursos de sommelier em escolas inglesas, italianas e francesas com o objetivo de entender como cada um desses mundos fala sobre o vinho. Eu também sempre degustei muitos vinhos porque é um mundo infinito, o aprendizado é infinito. E nesse processo fui me apaixonando e envolvendo outras pessoas. Por exemplo, o marido não bebia vinho e eu o convenci. E tenho certeza que ele se apaixonou pelo nosso passito di Panteleria, o Ben Ryè. Meu marido hoje é um grande fã da Cantina Donnafugata, mas, sobretudo, me diz sempre que é muito feliz que eu trabalhe com vinhos.
Bon Vivant: Você tem formação na área da Economia e Comércio. Já atuou em diferentes empresas. Quando você começou a trabalhar na vinícola da família, quais eram teus propósitos?
Josè Rallo: Eu entrei na vinícola com 26 anos, em 1990. Antes disso eu havia feito três anos de experiência em outras vinícolas. Isso porque o meu pai sempre me dizia: tu deves iniciar da base e assim, pouco a pouco, as pessoas percebem que você começou pela base e irão te respeitar. Meu pai sempre me deixou livre para implementar os meus projetos dentro da vinícola. Por exemplo: eu havia trabalhado em uma empresa de informática e depois transferi todo esse conhecimento par a reorganização deste setor dentro da nossa empresa. Meu propósito era implementar mudanças na empresa sem tirar a sua essência. Hoje a nossa vinícola cultiva quase 500 hectares de vinhedo e o propósito é de dar atenção aos diferentes territórios, harmonizando o vinhedo, com o terreno e o microclima. Queremos, com isso, exaltar o território ‘Sicília do vinho’.
Bon Vivant: Como nasceu a sua paixão pela música e, principalmente, pela música brasileira?
Josè Rallo: A música é uma paixão muito antiga. Quando eu era criança, em Marsala, eu cantava no coral da escola e da igreja. E muitas vezes eu fazia a solista. Quando iniciei na universidade entrei para um coral com 80 vozes, e isso pra mim foi muito importante. Aprendi muito. No último ano de universidade encontrei um siciliano e nos apaixonamos. Ele era um aficionado por música brasileira. Havia conhecido este estilo através de um amigo que explicou que ele, como persusionista, deveria ouvir o estilo de música do Brasil. Ele ouviu e logo se apaixonou pela batida. Como na época eu trabalhava em Roma e ele em Palermo, ele me enviava as coleções de música brasileira. Como eu também amava a música comecei a estudar essas canções e as letras. Acabei gostando. Depois de três anos eu voltei para Marsala e formamos uma banda de jazz para tocar para os amigos. E eu no vocal (risos). A banda foi ganhando forma, fizemos diversas apresentações e assim eu tive a ideia de unir a música com o vinho. Fazia, por exemplo, a harmonização de um Samba com um vinho branco, que é fresco e vivaz. Ou uma Bossa Nova com um branco mais encorpado, com uma ligeira passagem por barrica, ou um jazz para um tinto mais importante. Foram eventos muito bonitos e que sempre fizera muito sucesso.
Bon Vivant: Nos explique um pouco mais sobre o projeto Donnafugata Music & Wine?
Josè Rallo: Donnafugata Music & Wine nasceu e 2002 justamente porque éramos eu e meu marido (Vincenzo Favara) apaixonados por música brasileira. É uma experiência multissensorial que harmoniza a música do Brasil com os vinhos Donnafugata durante uma degustação. O projeto já conta com três álbuns (2004, 2007 e 2020) e já fizemos shows em diversos países. Ainda devo organizar um evento assim no Brasil (risos). É possível ouvir as canções no Spotify como Music&Wine.
Bon Vivant: O que significa o vinho e a música na sua vida?
Josè Rallo: São fontes da felicidade. O vinho te faz viajar pela fantasia de uma parte a outra do mundo. A música também. Ambos são fontes de energia, fontes de curiosidade, amo muito. A música é o caminho mais direto para apresentar os meus vinhos.
Bon Vivant: Mudando de assunto, como você avalia o momento atual vivido pelas mulheres no setor do vinho?
Josè Rallo: O mondo do vinho é cheio de mulheres muito capazes, que sabem fazer as coisas. As mulheres têm um diferencial: elas arriscam em busca da realização dos seus sonhos. Hoje as mulheres se sentem mais livres e chegaram num ponto que podem dizer aos homens: eu vou fazer isso porque tenho vontade e não querem sentir discriminação, distinção. Obviamente não é tudo que as mulheres hoje alcançam, principalmente quando se fala nos mais altos escalões das governanças. Às vezes são os homens que tem o máximo do poder. Isso porque o poder é gerido de uma maneira masculina. Faço um exemplo: Eu sou uma mãe, tenho filhos e faço parte de um conselho de administração. Trabalho das 8h até às 20h. Consigo, me organizo. Tenho escolinha para as crianças, a babá. Me organizo. Mas, se depois das 20h quatro homens resolvem que as decisões mais importantes serão tomadas depois de um jantar e de uma taça de vinho, a mulher, que é mãe, tem que ir para casa liberar a babá. Ela não poderá participar, a menos que se organize. E isso não é sempre que acontece, muitas vezes não é possível. Então, eu afirmo: as mulheres podem fazer tudo, em todas as profissões, mas só se elas tiverem a oportunidade de se organizar.
Bon Vivant: E a questão do preconceito?
Josè Rallo: Ainda acontece, porém está mudando, e para melhor. Posso fazer um exemplo: quando a minha mãe, lá nos anos 1990, fundou a Associação Donne del Vino, eram somente seis mulheres. Ela é a número 2. Hoje, somente na minha região, são 80 mulheres do vinho – estima-se que em toda a Itália sejam mais de mil mulheres que fazem parte desta associação, entre produtoras de vinhos, enólogas, sommeliers, jornalistas, etc... Podemos dizer que conseguimos o nosso espaço, ainda temos muito a fazer. O que é mais importante é: as mulheres devem ter a oportunidade de atuar no setor e organizar a sua vida como mãe, mulheres, filhas e avós.
Comments